A Defensoria Pública de SP obteve
recentemente nos Tribunais Superiores decisões favoráveis a réus acusados de
tentativas de furto de itens de pequeno valor contra estabelecimentos
comerciais.
Embora esteja sedimentada desde 2004 pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), a incidência do “princípio da insignificância”
nem sempre é aplicada em instâncias iniciais e termina sendo reconhecida apenas
após recursos a Cortes Superiores. Há casos de réus que respondem presos a
essas acusações.
Reconhecido pela jurisprudência e doutrina penal,
o princípio da insignificância tem o intuito de afastar a tipicidade penal,
isto é, afastar a criminalização, em casos de furto ou tentativa de furto que
preencha alguns requisitos, como a mínima ofensividade da conduta do agente,
nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
O objetivo é evitar que condutas de baixo
potencial ofensivo sofram os rigores da intervenção penal, que deve ser
reservada apenas a condutas que impliquem grave ofensa social.
Peças de carne
Em um dos casos, um homem foi acusado da prática de furto de 3 peças de carne
em Ferraz de Vasconcelos, na região metropolitana de São Paulo, cabendo ao
Defensor Raul Carvalho Nin Ferreira sua defesa. Tanto na sentença quanto no
julgamento da apelação, foi mantida sua condenação. Por isso, o Defensor
Público Rodrigo Ferreira dos Santos Ruiz Calejon impetrou habeas corpus perante
o STJ. Esta corte não conheceu o habeas corpus por detalhes processuais, mas
concedeu ordem para reconhecer a insignificância da conduta, absolvendo o
acusado.
“A jurisprudência desta Corte, dentre outros critérios, aponta o parâmetro da
décima parte do salário mínimo vigente ao tempo da infração penal, para
aferição da relevância da lesão patrimonial. Na hipótese, apesar de os bens
subtraídos somarem cerca de 23% do salário mínimo vigente em 2016, considerando
tratar-se de paciente primário, o qual possui, em sua folha de antecedentes
criminais, somente a anotação referente ao presente processo, bem como que
tentou subtrair 3 peças de carne, as quais foram restituídas à vítima, não se
mostra recomendável sua condenação, eis que evidente a inexpressividade da
lesão jurídica provocada”, considerou o Ministro Relator Ribeiro Dantas, em
acórdão proferido em votação unânime pela 5ª Turma do STJ.
Refrigerante
Na mesma linha, em outra decisão, o STJ
absolveu um homem acusado de tentativa de furto de 5 garrafas de refrigerante.
Após absolvição pelo Juízo de primeiro grau, o TJ-SP afastou a aplicação da
insignificância por conta da "reiteração criminosa", uma vez que o
réu era reincidente. Após apelação da Defensora Pública Carolina Costa Fiães
Bicalho, que atua na Unidade da Defensoria em Guarulhos, STJ concedeu ordem
para absolver o réu, aplicando o princípio da insignificância.
“Nenhum interesse social existe na
intervenção estatal na hipótese de subtração de 5 garradas de refrigerante,
avaliadas em R$ 75,00, o que representa menos de 10% do salário mínimo vigente
à época dos fatos (R$ 998,00 – ano de 2019), representando irrisória lesão ao
bem jurídico tutelado, o que autoriza a incidência do princípio da
insignificância, ainda que o réu seja reincidente”, entendeu o Relator,
Ministro Nefi Cordeiro, da 6ª Turma do STJ.
Desodorantes
Em caso que, após negativa do STJ, foi levado
ao STF o réu era acusado de tentativa de furto de 2 frascos de desodorante, com
valor total estimado em R$ 24, em uma grande rede de supermercados. O habeas
corpus foi impetrado no Supremo pelo Defensor Público Luiz Cezar Rossi
Francisco.
“Em casos nos quais não se revela
ofensividade penal na conduta do agente e impacto social e jurídico de efeitos
por ela produzidos, este Supremo Tribunal Federal reconhece a incidência do
princípio da insignificância”, pontuou a Ministra Cármen Lúcia ao conceder o
habeas corpus.
O Defensor Público Rafael Ramia Muneratti, do
Núcleo Especializado de Segunda Instância e Tribunais Superiores da Defensoria
paulista, que acompanhou esses casos, afirmou que, embora as Cortes superiores
tenham firmado entendimento sobre a aplicação do princípio da insignificância
para proclamar a atipicidade do feito, “ainda são vários os casos semelhantes
oriundos do TJSP que precisamos levar ao STJ e STF, via habeas corpus ou recurso,
para que haja o reconhecimento da insignificância e aplicada a jurisprudência
sedimentada”. De acordo com o Defensor, “esse tipo de situação, muitas vezes,
sujeita a pessoa acusada do furto a responder um processo criminal
desnecessariamente, e até ser condenado e presa injustamente em alguns casos,
constrangimentos ilegais que serão afastados apenas no STJ ou no STF”.
Veja outras decisões semelhantes obtidas pela
Defensoria em Tribunais Superiores:
Em recurso apresentado pela Defensoria Pública
de SP, STJ aplica princípio da insignificância em caso de furto de pacote de
fraldas avaliado em R$ 158,80
Após condenação pela tentativa de furto de 1 kg
de carne, Defensoria obtém no STJ a aplicação do princípio da insignificância e
a absolvição do réu
Após recurso da Defensoria, STJ aplica
princípio da insignificância e absolve acusado de tentativa de furto de caixas
de bombom no valor de R$ 85
STF aplica o princípio da insignificância e
absolve réu que havia sido condenado a prisão por tentativa de furto moedas no
valor de R$ 14 |