Direito penal

Ao julgar pedido da Defensoria, STJ reconhece alegação de pobreza como suficiente para extinguir punibilidade por não pagamento da multa penal

Defensoria argumentou, entre outros, que redação anterior gerava penumbra interpretativa e inversão do ônus da prova

Publicado em 13 de Março de 2024 às 15:27 | Atualizado em 20 de Março de 2024 às 13:01

Defensoria alertou que a tese então vigente, ao condicionar a extinção de punibilidade à comprovação, pelo condenado, de impossibilidade de pagamento, trazia uma zona de penumbra interpretativa

Defensoria alertou que a tese então vigente, ao condicionar a extinção de punibilidade à comprovação, pelo condenado, de impossibilidade de pagamento, trazia uma zona de penumbra interpretativa

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) alterou a tese que trata das pena de multa, passando a adotar o seguinte entendimento: “O inadimplemento da pena de multa, após cumprida a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, não obsta a extinção da punibilidade, ante a alegada hipossuficiência do condenado, salvo se diversamente entender o juiz competente, em decisão suficientemente motivada, que indique concretamente a possibilidade de pagamento da sanção pecuniária.” 

O caso foi apreciado pela 3ª Seção da Corte superior a pedido da Defensoria Pública de SP, que pleiteou a extinção da punibilidade nos casos concretos apreciados e que a tese do Tema Repetitivo (em que o STJ define uma tese que deve ser aplicada aos processos nos quais é discutida idêntica questão de direito) 931 fosse alterada para prever a extinção da pena de multa cujo valor não ultrapasse o montante mínimo para a execução fiscal de débitos com a fazenda nacional, bem como para dispor, nos demais casos, que ela seja julgada extinta quando o sentenciado não puder quitá-la sem prejudicar o próprio sustento e o de sua família, cabendo à Instituição responsável pela execução provar o contrário. 

A pena de multa é fixada pelo juiz da causa e  consiste em pagamento à União da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. 

No pedido, a Defensoria paulista argumentou que a maioria dos valores executados da pena de multa são de pequena monta; a quase totalidade das pessoas executadas é pobre, praticamente todos os valores cobrados não são pagos, o custo da execução é maior do que o resultado por ela trazido, a função preventiva da pena é aniquilada, entre outras colocações.  

O defensor Glauco Mazetto, assessor criminal e infracional da Defensoria de SP, fez a sustentação oral no julgamento. Assista aqui.

Penumbra interpretativa

A Defensoria alertou ainda que a tese então vigente, ao condicionar a extinção de punibilidade à comprovação, pelo condenado, de impossibilidade de pagamento, trazia uma zona de penumbra interpretativa, a qual propicia a negativa eterna de sua aplicação, pontuando que são necessários critérios objetivos para a prova da falta de condições de pagamento sem prejuízo da subsistência, quando ela for reclamada. 

“Mais de 90% das pessoas executadas não pagaram o valor cobrado. Certamente a maior parte delas, senão quase sua totalidade, não possui condições para tanto. Isso deixa claro não só que a grande maioria das pessoas executadas é comprovadamente pobre, mas também que o valor executado claramente afetará sua subsistência”, afirma a Defensoria.  “Em mais metade dos casos em que a pessoa informou dados sobre rendimentos, a execução atingirá pessoas sem qualquer renda, colaborando, assim para a manutenção de sua miséria e da sua proximidade com a criminalidade.” 

Reinserção social

Além disso, a Defensoria sustenta que a não extinção da punibilidade acarreta diversos empecilhos à reinserção social, como a impossibilidade de obtenções de documentos como a carteira profissional e o acesso a programas de auxílio social.  

Com esse conjunto de argumentos, a Defensoria Pública de SP sugeriu a seguinte redação para a tese: “Deve ser julgada extinta a pena de multa cujo valor não supere o montante mínimo para o ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, e nos demais casos em que o sentenciado não possua condições de pagá-la sem prejudicar seu sustento e o de sua família, o que se  verifica, nos termos do artigo 50, §2º do Código Penal, quando somente existirem as quantias referidas no artigo 833, inciso X, do Código de Processo Civil, quando o valor dos dias-multa for fixado no mínimo legal ou quando a defesa for realizada pela Defensoria Pública sem fixação de honorários, cabendo ao exequente provar o contrário nas outras hipóteses”.  

Embora não tenha acolhido integramente o pedido, a 3ª Turma do STJ, aprovou por unanimidade a nova redação estipulada pelo Relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, que admite a alegação de pobreza como suficiente para a extinção da punibilidade independentemente do pagamento da pena de multa.