Defensoria Pública obtém decisão que proíbe exigência de exames médicos invasivos a mulheres candidatas em concursos do TJ-SP
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.
A Defensoria Pública de SP obteve decisão judicial em segundo grau que reconhece a nulidade da exigência da apresentação de exames médicos de mamografia (mulheres acima de 40 anos) e colpocitologia oncótica (“Papanicolau”) por mulheres candidatas a cargos para concursos públicos do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP).
O pedido foi motivado pela exigência estipulada para mulheres candidatas em concurso público para os cargos de Assistente Social, Psicóloga e Escrevente-Técnica Judiciária do Tribunal.
A decisão – proferida em ação civil pública ajuizada em 2017 pelo Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria – suspende itens de uma resolução de 2015 da Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado, que preveem os exames exigidos pelo DPME (Departamento de Perícias Médicas do Estado).
Na ação, as Defensoras Paula Sant’Anna Machado de Souza, Ana Rita Souza Prata e Nálida Coelho Monte sustentam que a exigência dos procedimentos viola a dignidade humana, a intimidade, a privacidade e a integridade física e psicológica das mulheres, bem como igualdade de gênero e a isonomia, uma vez que não há exigência equivalente aos candidatos homens. A Defensora Luciana Jordão da Motta Armiliato de Carvalho, do Núcleo Especializado de Segunda Instância e Tribunais Superiores, fez a sustentação oral do caso perante o TJ-SP.
A ação pedia a nulidade dos itens do ato administrativo em que consta a exigência dos exames de papanicolau e mamografia e que o Estado de São Paulo, por meio do DPME, deixe definitivamente de exigir das candidatas mulheres a apresentação dos laudos. As Defensoras embasaram o pedido em uma série de decisões judiciais anteriores e em parecer emitido em 2015 pelo Cremesp (Conselho Regional de Medicina de SP), que elucida: “Não há nenhuma profissão ou função que impeça o ingresso de uma mulher em qualquer trabalho e que exija a realização de exames subsidiários que exponha a mesma em suas condições ginecológicas e até obstétricas, mesmo que os mesmos possam ter caráter preventivo”.
Recursos
Em agosto de 2018, o Juízo de primeiro grau havia acatado parcialmente o pedido da Defensoria e anulado as exigências, mas determinou na ocasião que o papanicolau fosse “substituído por relatório médico no qual não deve constar o motivo da não realização do referido exame e que ateste a saúde da mulher para fins de aptidão para a posse nos cargos público”. A Defensoria Pública, no entanto, recorreu pedindo que a Justiça afastasse também a necessidade de apresentação de relatório médico. O Estado também recorreu, defendendo a pertinência técnica dos exames, a título de necessária precaução visando o resguardo do interesse público.
No acórdão, a 2ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, em votação unânime, acolheu o recurso da Defensoria e negou provimento aos recursos do Estado. “Tenho que os exames em debate são prescindíveis para aferição da aptidão das candidatas aos cargos públicos almejados. Em outras palavras, a exigência não se presta à comprovação de que as candidatas gozam de boa saúde para exercício das funções pertinentes ao cargo”, observou a Relatora, Desembargadora Luciana Bresciani.
Em relação ao papanicolau, a Relatora ressaltou que se trata de exame cujo grau de invasividade é notório, o que, consequentemente, exige da Administração Pública um rigor ainda maior na ponderação acerca de sua utilidade e necessidade para apuração das condições de saúde das concursandas. Já sobre a mamografia para mulheres acima dos 40 anos, a Magistrada citou a Consulta nº122.904/04 do Cremesp, segundo a qual a exigência do exame só pode ocorrer se houver suspeita de doença. “Ademais, e aqui também incluindo a colpocitologia oncótica, convém ressaltar que a mera probabilidade de desenvolvimento de neoplasia maligna ou evolução negativa de enfermidade já existente não é justificativa para eliminação do candidato se, no momento do exame admissional, este se encontra apto a exercer as funções pertinentes ao cargo almejado”, acrescentou.
Após a publicação do acórdão, a Defensora Paula Machado afirmou considerar a decisão um precedente importante, apontando que esses exames são desproporcionais e considerados ilegais. “Os argumentos acatados pelo Tribunal serão usados em nova ação civil pública para que a decisão seja estendida a todos os concursos públicos no Estado.”