Defensoria obtém liminar que reforça propriedade coletiva de território quilombola e determina reintegração de posse e suspensão de obra irregular

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.

Publicado em 8 de Janeiro de 2020 às 13:00 | Atualizado em 8 de Janeiro de 2020 às 13:00

A Defensoria Pública de SP obteve uma decisão liminar que determinou a reintegração de posse e a suspensão de uma obra irregular iniciada dentro de uma área pertencente a uma comunidade quilombola da região do Vale do Ribeira. A decisão também proíbe o responsável pela obra de ingressar na comunidade.
 
A ação foi movida pela Associação dos Remanescentes do Quilombo de São Pedro, representada pela Defensoria, contra um filho de quilombola que havia ficado cerca de 25 anos afastado da comunidade. Quando retornou, de acordo com a ação, assumiu uma postura violenta e conflituosa, como se fosse dono de uma propriedade particular, realizando atividades sem consultar a associação. Chegou a destruir uma plantação cultivada com autorização por um membro da comunidade – que ele havia denunciado por suposto crime ambiental – e a iniciar a construção de uma casa, igualmente sem ouvir previamente a entidade comunitária.
 
A comunidade quilombola de São Pedro, que ocupa um território entre as cidades de Eldorado e Iporanga, tem suas origens no século XIX. Atualmente é composta por cerca de 50 famílias, que praticam agricultura familiar e criam animais para subsistência. O território é reconhecido como área quilombola tanto pelo Estado de São Paulo como pela União.
 
O homem havia deixado a comunidade com a família em 1983, após a morte do pai, só retornando ao local 25 anos depois, com visitas esporádicas. Em 2017, foi admitido como membro da associação, alegando que não pretendia morar no quilombo nem fazer qualquer outro uso do território. Entretanto, no ano seguinte sua postura se alterou, passando a causar problemas à comunidade.
 
Em 2019, a associação deliberou excluir o homem de seus quadros e determinou a paralisação de eventual obra. Em resposta, ele alegou ter direito de propriedade sobre a terra por herança e que só interromperia a obra por ordem judicial.
 
Na ação judicial, o Defensor Público Andrew Toshio Hayama argumentou que a obra iniciada pelo homem sem consulta prévia à associação configurou esbulho possessório, por tratar-se de território coletivo de posse e propriedade da comunidade, como reconhecem o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, documentos estaduais e Portaria do Incra.
 
O Defensor também destacou que o Decreto 4.887/03, que regulamenta o procedimento para reconhecimento de terras quilombolas, não prevê apropriação individual de territórios pelos integrantes da comunidade, e sim a formalização da propriedade coletiva, com título em nome da associação que a representa.
 
O homem permaneceu 25 anos afastado da comunidade, sem tomar qualquer medida lícita para reaver o que entendia ser seu direito – e nem poderia, por já ter-se configurado a aquisição da propriedade pela comunidade por usucapião, apontou a Defensoria. A partir de 1988, com a edição da Constituição atual, passou a ser reconhecida a propriedade das terras ocupadas por comunidades quilombolas, consolidando a posse por elas exercida.
 
Na decisão liminar, a Juíza Juliana Silva Freitas, da Vara Única de Eldorado, salientou que ficaram demonstrados o esbulho e a legalidade do processo de exclusão da associação. “Em se tratando de comunidades quilombolas, é cediço que a Constituição lhes reconhece o direito à propriedade coletiva de seus territórios. Tanto assim o é que a legislação infraconstitucional determina a regularização fundiária por meio da expedição de título coletivo ‘pro-indiviso’”, afirmou.
 
Além da atuação judicial, a Defensoria também prestou assessoria jurídica à comunidade no procedimento administrativo de exclusão do associado.