Direito Civil: a pedido da Defensoria, reconhecimento de estado de perigo anula contrato assinado e impede cobrança de dívida por hospital
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.
A Defensoria Pública de SP obteve uma decisão judicial que reconhece a figura do “estado de perigo” na assinatura de um contrato de prestação de serviços entre hospital particular e familiar de um paciente internado às pressas, impedindo a cobrança de dívida de R$ 115 mil.
Luiz (nome fictício) é motorista de caminhão e, segunda consta nos autos, sofreu uma parada cardiorrespiratória quando realizava uma entrega próximo a um hospital particular, na Capital – quando então foi socorrido e levado ao local. Ao dirigir-se ao estabelecimento, sua companheira foi obrigada a assinar alguns documentos, antes mesmo de saber o estado de saúde do paciente.
A companheira de Luiz, assim que teve ciência de que o hospital era particular, prontamente solicitou a transferência para a rede pública de saúde, o que aconteceu somente 5 dias depois. Por esses dias de tratamento, Luiz e sua companheira foram cobrados por uma dívida de mais de R$ 115 mil, que pode ser ainda maior - uma vez que os honorários médicos não estão contabilizados nesse valor.
Na ação, os Defensores Públicos Matheus Bortoletto Raddi e Eduardo Queiroz Carboni Nogueira, que atuaram no caso, apontaram que o caso se enquadra no chamado “estado de perigo”, previsto no artigo 156 Código Civil: “Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa”.
De acordo com os Defensores, o Código Civil busca resguardar a autonomia da vontade, “já que ninguém manifesta livremente a vontade se a sua integridade físico-psíquica, ou de seu familiar, encontra-se ameaçada”, afirmaram. Por essa razão, solicitaram que o contrato assinado entre o hospital e a companheira de Luiz fosse anulado. Eles também apontam que, uma vez anulado o negócio jurídico, “poderá o hospital demandar contra o Estado, visando, em ação própria, obter o ressarcimento dos valores gastos com o tratamento do usuário do SUS, acidentalmente paciente do hospital particular”.
Na sentença, o Juiz Heitor Ferreira do Amparo, da 2ª Vara Cível de Araraquara – cidade onde vivem o paciente e sua companheira -, considerou que o contrato foi celebrado quando Luiz encontrava-se em “estado de perigo”. “As despesas decorrentes da internação do paciente por longo período pela falta de vaga junto a hospital público não devem ser atribuídas aos autores [Luiz e sua companheira], eis que ausente qualquer conduta deliberada que o justificasse”, afirmou. Dessa forma, declarou nulo o contrato celebrado, bem como as despesas dele provenientes.