Seminário “Recrudescimento Punitivo e Política Criminal no Brasil” levanta críticas e reflexões sobre propostas de reforma legislativa
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.
As Defensorias Públicas de SP e do RJ, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) promoveram nestas quinta e sexta (14 e 15) um seminário com o tema Recrudescimento Punitivo e Política Criminal, na Capital paulista.
O evento contou com profissionais de destaque dos meios jurídico e acadêmico – e terminou por fomentar reflexões e críticas especialmente a respeito de propostas legislativas de endurecimento na área do direito penal.
Durante a solenidade de abertura do seminário, o Defensor Público-Geral paulista, Davi Depiné, disse considerar assustadora a normalidade e passividade com que o cenário de recrudescimento do punitivismo está se desenhando. “Este evento busca incentivar nossa indignação frente às situações de injustiça que vemos no sistema penal”, afirmou.
O Defensor Público-Geral do RJ, Rodrigo Baptista Pacheco, afirmou que o debate não deve ser feito apenas no âmbito de teses jurídicas. “Precisamos ir à rua conversar com a sociedade”, propôs. O vice-presidente do IDDD, Hugo Leonardo, por sua vez, defendeu que se desmistifique publicamente a narrativa punitivista. A presidenta do IBCCRIM, Eleonora Nacif, classificou as propostas em pauta para análise do Congresso Nacional como preocupantes e propôs que se pensasse se o momento é de combatê-lo ou de procurar melhorá-lo pelo debate com demais entes públicos.
O jurista e professor Juarez Tavares, palestrante na solenidade de abertura, problematizou também as mudanças propostas para a legítima defesa de agentes de segurança, ressaltando que as forças policiais têm sempre o dever prioritário de proteger a vida de todos os cidadãos.
Debates
“É a primeira vez em que se coloca a justiça negocial como ferramenta de um sistema integral de restrição da liberdade, de encarceramento”, disse no primeiro painel do evento a 1ª Subdefensora Pública-Geral de SP, Juliana Belloque, ao se referir à proposta de instituição do “plea bargain”, espécie de “acordo de confissão”. Ela apontou que as propostas se inserem em um projeto com endurecimento de punições e flexibilização de garantias processuais.
“Em uma democracia, o mínimo que precisaríamos seria garantir penas razoáveis e proporcionais, tanto na fixação legislativa quanto em parâmetros jurisprudenciais e na execução, e um devido processo legal com amplas garantias de defesa recursais, juiz independente, produção de provas. São pilares fundamentais para que se tenha verdadeiramente um acordo, e não uma coerção”, afirmou.
O Juiz André Nicolitt, do Tribunal de Justiça do RJ, disse que a proposta tem um “olhar visceral” sobre comunidades pobres, negras e excluídas, referindo-se a execução e abatimento de suspeitos.
Presidindo a mesa, a advogada criminalista Flávia Rahal afirmou que a maioria da sociedade aprova o endurecimento do punitivismo, e receia que o recrudescimento aumente no momento em que a população se frustrar ao perceber que as propostas não surtiram efeito. Na mesma linha, o professor Aury Lopes Junior foi taxativo. “Não vai funcionar. Mas como as pessoas vão reagir quando se derem conta? Mais endurecimento. É um ciclo autofágico. Você tem problema da violência, faz mais lei penal, entulha a polícia e os tribunais, nada funciona, não tem punição, as pessoas se sentem mais inseguras e recorrem a mais lei penal. E você entra no ciclo da morte. Mas muita gente vai ser moída nessa máquina.”
O professor de criminologia Maurício Dieter fez uma análise dos fundamentos que levaram à autorização pelo Supremo Tribunal Federal para início do cumprimento de pena após condenação em segunda instância. Disse ser falsa a dicotomia feita entre a presunção de inocência do acusado e o direito da sociedade à efetividade da jurisdição, pois eficiência seria um princípio da administração, e presunção de inocência uma regra constitucional, que deveria simplesmente ser cumprida.
Novos painéis e mesas de debate ocorreram durante esta sexta. Ao final do evento, os organizadores lançaram uma carta-manifesto, subscrita por cerca de 20 outras entidades, na qual reafirmam compromisso de combate a violência e corrupção “com estratégias de enfrentamento consistentes e embasadas em pesquisas empíricas, observando direitos e garantias fundamentais inscritos na Constituição Federal e nos tratados internacionais de direitos humanos”.