Direito à moradia

TJSP determina que Prefeitura de São Sebastião inicie obras de contenção em área de risco após recurso da Defensoria Pública

Decisão mantém suspensão das demolições e obriga Município a adotar medidas previstas em plano técnico, sob pena de multa diária

Publicado em 5 de Dezembro de 2025 às 09:57 | Atualizado em 5 de Dezembro de 2025 às 17:59

O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que o Município de São Sebastião inicie a execução das medidas estruturais e não estruturais de mitigação de riscos previstas no Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR) para a Travessa/Rua Antônio Tenório dos Santos, no bairro Itatinga, litoral norte de São Paulo. A decisão, proferida pelo desembargador Fausto Seabra, da 7ª Câmara de Direito Público, concedeu efeito ativo a agravo de instrumento interposto pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo. 

Pela decisão, o Município deverá comprovar, no prazo de 60 dias, o início das tratativas para a execução das obras e demais medidas de contenção indicadas no PMRR para o setor de risco que abrange a Rua/Travessa Antônio Tenório dos Santos, sob pena de multa diária de R$ 2 mil, limitada, neste momento, a R$ 1 milhão. 

A decisão do TJSP reforça a proteção já concedida pela 1ª Vara Cível de São Sebastião, que, em liminar anterior, havia determinado a suspensão de toda e qualquer demolição de imóveis ocupados ou desocupados na via, fixando multa de R$ 300 mil por casa atingida em caso de descumprimento. Agora, além de impedir novas demolições, o Poder Judiciário exige que o Município adote as obras de contenção já indicadas por laudos técnicos e pelo próprio plano municipal de redução de riscos. 

Liminar suspende demolições e protege moradores 

Antes da decisão do TJSP, a 1ª Vara Cível de São Sebastião já havia concedido liminar, em ação civil pública proposta pela Defensoria Pública, determinando a suspensão de qualquer nova demolição de imóveis ocupados ou desocupados na Travessa/Rua Antônio Tenório dos Santos, sob pena de multa de R$ 300 mil por imóvel danificado, sem prejuízo de outras medidas cabíveis. 

Antes da liminar, um dos imóveis, então desocupado, chegou a ser demolido pelo Município. Em outubro, moradores de seis residências haviam recebido ordem de demolição com prazo de apenas um dia útil após a notificação, sem apresentação de alternativas habitacionais ou diálogo prévio. 

Na ação, a Defensoria Pública apontou violação a Tratados Internacionais de Direitos Humanos, à Constituição Federal e à legislação interna que rege situações de risco e desastres. A instituição destacou, em especial, o Comentário Geral nº 7 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, segundo o qual a remoção de pessoas de suas moradias – sobretudo em situações que envolvem grandes grupos – é medida excepcional, somente admitida quando não existirem outras alternativas para mitigação do risco e desde que observadas garantias mínimas de informação, participação e proteção. 

“O Município de São Sebastião viola Tratados Internacionais, a Constituição Federal e as leis do país ao notificar moradores sobre a demolição de suas casas com prazo de 24 horas, esvaziando completamente o direito ao contraditório e à ampla defesa, além de afetar o próprio direito à moradia em uma área que já deveria estar urbanizada, em virtude de regularização fundiária reconhecida pela Justiça”, afirma o defensor público Filovalter Moreira dos Santos Jr. 

Liminar suspende demolições e reforça direito à moradia 

Na decisão, o juiz reconhece que a remoção de moradores deve ser sempre a última medida em áreas de risco e registra que o Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), atualizado em 2025, não indica, para o setor em que se localiza a Travessa Antônio Tenório dos Santos, a demolição de edificações ou o reassentamento imediato das famílias. O plano prevê, ao contrário, a execução de obras e medidas estruturais de mitigação de risco. 

A sentença também ressalta que a área já se encontra em fase de cumprimento de decisão judicial que determinou a regularização fundiária do núcleo, o que reforça o dever do poder público de garantir urbanização adequada, segurança e infraestrutura básica. Com base nesses fundamentos, o magistrado determinou a suspensão de toda e qualquer demolição de imóveis na via, sob pena de multa de R$ 300 mil por casa atingida. 

Região de risco muito alto e necessidade de obras de contenção 

A Travessa Antônio Tenório dos Santos foi uma das áreas atingidas pelo trágico evento climático de fevereiro de 2023, quando mais de 60 pessoas morreram em São Sebastião após chuvas extremas. Parte das moradias da região já havia sido demolida e obras pontuais foram realizadas pela Prefeitura. 

Laudos técnicos posteriores, contudo, demonstraram que as intervenções foram insuficientes. A área foi classificada pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) como setor de Risco Muito Alto (R4) para movimentos de massa. O próprio Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), contratado pelo Município, indica a necessidade de adoção de medidas como retirada de solo e rocha instáveis, compactação do terreno, construção de estruturas de contenção, implantação de sistemas de drenagem profunda e superficial, canaletas ao longo da encosta, desobstrução de galerias e outras ações de engenharia. 

Essas conclusões também aparecem em perícia judicial produzida em outro processo movido pela Defensoria Pública, na qual o perito apontou a urgência de obras de contenção e drenagem para reduzir o risco de deslizamentos na área. 

“A implementação das medidas técnicas já indicadas em laudos, como muros de contenção, drenagem subterrânea e superficial, canaletas e remoção de materiais soltos, é essencial para reduzir significativamente o risco às famílias. Não há comprovação de uma situação de emergência que justifique a demolição abrupta das moradias, sem diálogo e sem oferta de alternativa habitacional”, ressalta o Defensor. 

Recurso ao Tribunal de Justiça para garantir obras de mitigação 

Após a concessão da liminar que suspendeu as demolições, a Defensoria interpôs agravo de instrumento perante o Tribunal de Justiça de São Paulo justamente para ampliar a proteção às famílias, buscando uma ordem judicial que obrigasse o Município de São Sebastião a executar as obras de mitigação de riscos previstas no PMRR e nos laudos periciais relativos ao setor da Travessa Antônio Tenório dos Santos. 

Com a decisão da 7ª Câmara de Direito Público, esse pedido passa a ser atendido em caráter liminar: o Município deve dar início às medidas estruturais e não estruturais indicadas no plano e comprovar, no prazo de 60 dias, o começo efetivo das tratativas para implementação das obras, sob pena de multa diária de R$ 2 mil, até o limite de R$ 1 milhão. 

O acórdão destaca que a região é classificada como de risco muito alto (R4), em cidade que já enfrenta episódios recorrentes de chuvas intensas e desastres associados às mudanças climáticas, e conecta a necessidade das obras às diretrizes nacionais de adaptação das cidades à crise climática e de promoção de justiça climática – garantindo que populações mais vulnerabilizadas não sejam apenas removidas, mas protegidas com infraestrutura adequada e planejamento urbano voltado à preservação da vida e do direito à moradia. 

“Nosso objetivo é que a cidade se prepare para os eventos climáticos extremos que tendem a se tornar mais frequentes, garantindo que as famílias não sejam simplesmente removidas, mas protegidas, com obras de contenção e, em último caso, com atendimento habitacional digno e adequado”, conclui Filovalter Moreira dos Santos Jr.