Direito à moradia

Justiça suspende demolições em área de risco em São Sebastião após ação da Defensoria Pública

Defensoria também recorreu ao Tribunal de Justiça para obrigar o Município a executar obras de contenção indicadas por laudos técnicos

Publicado em 5 de Dezembro de 2025 às 09:57 | Atualizado em 5 de Dezembro de 2025 às 09:57

A 1ª Vara Cível de São Sebastião concedeu decisão liminar, em ação civil pública proposta pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, determinando a suspensão de qualquer nova demolição de imóveis ocupados ou desocupados na Travessa/Rua Antônio Tenório dos Santos, no bairro Itatinga, litoral norte de São Paulo. Em caso de descumprimento, o juiz fixou multa de R$ 300 mil por imóvel danificado, sem prejuízo de outras medidas cabíveis. 

Antes da decisão, um dos imóveis, então desocupado, chegou a ser demolido pelo Município. Em outubro, moradores de seis residências haviam recebido ordem de demolição com prazo de apenas um dia útil após a notificação, sem apresentação de alternativas habitacionais ou diálogo prévio. 

Na ação, a Defensoria Pública apontou violação a Tratados Internacionais de Direitos Humanos, à Constituição Federal e à legislação interna que rege situações de risco e desastres. A instituição destacou, em especial, o Comentário Geral nº 7 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, segundo o qual a remoção de pessoas de suas moradias – sobretudo em situações que envolvem grandes grupos – é medida excepcional, somente admitida quando não existirem outras alternativas para mitigação do risco e desde que observadas garantias mínimas de informação, participação e proteção. 

“O Município de São Sebastião viola Tratados Internacionais, a Constituição Federal e as leis do país ao notificar moradores sobre a demolição de suas casas com prazo de 24 horas, esvaziando completamente o direito ao contraditório e à ampla defesa, além de afetar o próprio direito à moradia em uma área que já deveria estar urbanizada, em virtude de regularização fundiária reconhecida pela Justiça”, afirma o defensor público Filovalter Moreira dos Santos Jr. 

Liminar suspende demolições e reforça direito à moradia 

Na decisão, o juiz reconhece que a remoção de moradores deve ser sempre a última medida em áreas de risco e registra que o Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), atualizado em 2025, não indica, para o setor em que se localiza a Travessa Antônio Tenório dos Santos, a demolição de edificações ou o reassentamento imediato das famílias. O plano prevê, ao contrário, a execução de obras e medidas estruturais de mitigação de risco. 

A sentença também ressalta que a área já se encontra em fase de cumprimento de decisão judicial que determinou a regularização fundiária do núcleo, o que reforça o dever do poder público de garantir urbanização adequada, segurança e infraestrutura básica. Com base nesses fundamentos, o magistrado determinou a suspensão de toda e qualquer demolição de imóveis na via, sob pena de multa de R$ 300 mil por casa atingida. 

Região de risco muito alto e necessidade de obras de contenção 

A Travessa Antônio Tenório dos Santos foi uma das áreas atingidas pelo trágico evento climático de fevereiro de 2023, quando mais de 60 pessoas morreram em São Sebastião após chuvas extremas. Parte das moradias da região já havia sido demolida e obras pontuais foram realizadas pela Prefeitura. 

Laudos técnicos posteriores, contudo, demonstraram que as intervenções foram insuficientes. A área foi classificada pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) como setor de Risco Muito Alto (R4) para movimentos de massa. O próprio Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), contratado pelo Município, indica a necessidade de adoção de medidas como retirada de solo e rocha instáveis, compactação do terreno, construção de estruturas de contenção, implantação de sistemas de drenagem profunda e superficial, canaletas ao longo da encosta, desobstrução de galerias e outras ações de engenharia. 

Essas conclusões também aparecem em perícia judicial produzida em outro processo movido pela Defensoria Pública, na qual o perito apontou a urgência de obras de contenção e drenagem para reduzir o risco de deslizamentos na área. 

“A implementação das medidas técnicas já indicadas em laudos, como muros de contenção, drenagem subterrânea e superficial, canaletas e remoção de materiais soltos, é essencial para reduzir significativamente o risco às famílias. Não há comprovação de uma situação de emergência que justifique a demolição abrupta das moradias, sem diálogo e sem oferta de alternativa habitacional”, ressalta o Defensor. 

Recurso ao Tribunal de Justiça para garantir obras de mitigação 

Após a concessão da liminar que suspendeu as demolições, a Defensoria interpôs agravo de instrumento perante o Tribunal de Justiça de São Paulo. O objetivo é ampliar a proteção já concedida em primeira instância, buscando uma ordem judicial que obrigue o Município de São Sebastião a executar as obras de mitigação de riscos previstas no PMRR e nos laudos periciais relativos ao setor da Travessa Antônio Tenório dos Santos. 

O recurso destaca que se trata de região de risco muito alto (R4), em cidade que já enfrenta episódios recorrentes de chuvas intensas e desastres associados às mudanças climáticas. A Defensoria argumenta que a ação civil pública e o pedido de obras estruturais dialogam com o Marco de Sendai para Redução de Risco de Desastres, buscando tornar o município mais resiliente, com planejamento urbano que considere a proteção da vida, a redução de vulnerabilidades e a preservação do direito à moradia. 

“Nosso objetivo é que a cidade se prepare para os eventos climáticos extremos que tendem a se tornar mais frequentes, garantindo que as famílias não sejam simplesmente removidas, mas protegidas, com obras de contenção e, em último caso, com atendimento habitacional digno e adequado”, conclui Filovalter Moreira dos Santos Jr.