Defensoria Pública obtém decisão que condena emissora de TV a indenizar por danos morais mulher ridicularizada em reportagem
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”
Após ter sua imagem exposta e ridicularizada em uma reportagem de televisão, uma mulher vítima de violência doméstica conseguiu, por meio da Defensoria Pública de SP, uma decisão que condenou a TV Record a indenizá-la em R$ 50 mil por danos morais e à imagem.
A matéria foi exibida em agosto de 2016 pelo programa Cidade Alerta. Com mais de 11 minutos de duração, a reportagem mostra fotos de Maria, afirma que seu ex-namorado Ricardo (nome fictício) teria sido agredido e que a mulher o teria traído inúmeras vezes. Ainda segundo o programa, o homem teria terminado a relação e pedido o cão do casal de volta; com a negativa dela, Ricardo teria levado ao Judiciário a disputa da guarda do animal.
Na reportagem, o apresentador usa expressões jocosas como “vai gostar de sapecar iaiá lá longe”, afirmando que a mulher manteria relações sexuais com vários parceiros. Além disso, enquanto fotos da mulher são expostas abertamente, possibilitando sua identificação, a imagem de Ricardo é mostrada borrada, preservando sua identidade.
Após saber da reportagem, Maria procurou assistência jurídica da Defensoria Pública, onde foi atendida por Agentes do Centro de Atendimento Multidisciplinar, profissionais de Psicologia e Serviço Social. Posteriormente a Defensora Pública Ana Rita Souza Prata, Coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, ajuizou a ação de indenização por danos morais.
Na ação, a Defensoria aponta que Maria manteve relacionamento amoroso com Ricardo por três anos e nove meses. Após ela terminar a relação, em janeiro de 2015, o homem passou a agir sistematicamente para prejudicá-la, com ameaças, injúrias e difamações. Antes mesmo da veiculação da reportagem, as ameaças já haviam levado Maria a mudar de endereço – o que a fez perder o emprego –, registrar vários boletins de ocorrência e requerer medidas protetivas com base na Lei Maria da Penha. Posteriormente, por meio da Defensoria, a mulher ingressou com queixa-crime contra o ex-companheiro e novamente pediu medidas protetivas – deferidas pela Justiça, determinando que ele não se aproxime da mulher, não faça contato com ela nem publique conteúdo relacionado à ex em redes sociais.
A Defensoria argumentou que a reportagem causou enormes transtornos e sofrimento à mulher ao devassar e expor sua vida íntima a um sem número de pessoas – no mês em que foi exibida, o Cidade Alerta teve alcance médio de 548 mil domicílios só na Grande São Paulo. Antes de ingressar com a ação judicial, a Defensoria enviou ofício à Record pedindo a retirada dos links da matéria na internet, mas os danos já haviam sido provocados.
A sentença foi proferida no dia 18 de setembro e divulgada hoje. Cabe recurso.
Liberdade de expressão X privacidade
A ação aponta que a liberdade de expressão é garantida por diversas normas mas não é um direito absoluto. “Quando (...) a revelação das desordens privadas não se ampara em qualquer motivação senão a de alimentar um gosto pelo sensacionalismo (...) se está diante do abuso de direito (...). Se a notícia ultrapassa o caráter informativo, tornando-se ofensiva, surge o dever de indenizar os danos causados, principalmente quando não há o cuidado de verificar a veracidade das informações”, afirma a Defensora Ana Rita Souza Prata na ação.
Ela ressalta que a reportagem em nenhum momento mencionou a situação de violência doméstica vivida por Maria. “Essa deturpação da realidade, além de totalmente descabida e de alimentar o preconceito em razão do gênero, claramente ultrapassa a mera intenção de noticiar os fatos aos telespectadores, ultrapassando os limites da liberdade de expressão”, afirmou a Defensora.
A Defensoria aponta ainda que, em caso de conflito entre os direitos fundamentais à informação e à vida privada, é preciso ponderar a possibilidade de conciliação entre ambos. “A reportagem não se refere a exercício de cargo público; a divulgação da imagem da usuária não proporciona atendimento à administração ou serviço da justiça ou da polícia, haja vista que a usuária não está sendo procurada pela polícia; além de tudo, os fatos narrados na reportagem não relatam o verdadeiro contexto em que aconteceram. (...) Nesse sentido, prevalece, portanto, a necessidade de se afastar a prevalência da liberdade de informação.”
A decisão judicial reconhece que a imagem da mulher foi utilizada sem seu consentimento, expondo-a ao ridículo e propagando em programa televisivo a violência de gênero sofrida por ela em âmbito doméstico. “Note-se que, do início ao fim, há uma zombaria geral com a autora, não havendo a menor possibilidade se interpretar como matéria jornalística e sim sensacionalista e, mais, desprovida de qualquer aferição e cuidado que certa a ética jornalística”, aponta a sentença.
A matéria foi exibida em agosto de 2016 pelo programa Cidade Alerta. Com mais de 11 minutos de duração, a reportagem mostra fotos de Maria, afirma que seu ex-namorado Ricardo (nome fictício) teria sido agredido e que a mulher o teria traído inúmeras vezes. Ainda segundo o programa, o homem teria terminado a relação e pedido o cão do casal de volta; com a negativa dela, Ricardo teria levado ao Judiciário a disputa da guarda do animal.
Na reportagem, o apresentador usa expressões jocosas como “vai gostar de sapecar iaiá lá longe”, afirmando que a mulher manteria relações sexuais com vários parceiros. Além disso, enquanto fotos da mulher são expostas abertamente, possibilitando sua identificação, a imagem de Ricardo é mostrada borrada, preservando sua identidade.
Após saber da reportagem, Maria procurou assistência jurídica da Defensoria Pública, onde foi atendida por Agentes do Centro de Atendimento Multidisciplinar, profissionais de Psicologia e Serviço Social. Posteriormente a Defensora Pública Ana Rita Souza Prata, Coordenadora do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, ajuizou a ação de indenização por danos morais.
Na ação, a Defensoria aponta que Maria manteve relacionamento amoroso com Ricardo por três anos e nove meses. Após ela terminar a relação, em janeiro de 2015, o homem passou a agir sistematicamente para prejudicá-la, com ameaças, injúrias e difamações. Antes mesmo da veiculação da reportagem, as ameaças já haviam levado Maria a mudar de endereço – o que a fez perder o emprego –, registrar vários boletins de ocorrência e requerer medidas protetivas com base na Lei Maria da Penha. Posteriormente, por meio da Defensoria, a mulher ingressou com queixa-crime contra o ex-companheiro e novamente pediu medidas protetivas – deferidas pela Justiça, determinando que ele não se aproxime da mulher, não faça contato com ela nem publique conteúdo relacionado à ex em redes sociais.
A Defensoria argumentou que a reportagem causou enormes transtornos e sofrimento à mulher ao devassar e expor sua vida íntima a um sem número de pessoas – no mês em que foi exibida, o Cidade Alerta teve alcance médio de 548 mil domicílios só na Grande São Paulo. Antes de ingressar com a ação judicial, a Defensoria enviou ofício à Record pedindo a retirada dos links da matéria na internet, mas os danos já haviam sido provocados.
Liberdade de expressão X privacidade
A ação aponta que a liberdade de expressão é garantida por diversas normas mas não é um direito absoluto. “Quando (...) a revelação das desordens privadas não se ampara em qualquer motivação senão a de alimentar um gosto pelo sensacionalismo (...) se está diante do abuso de direito (...). Se a notícia ultrapassa o caráter informativo, tornando-se ofensiva, surge o dever de indenizar os danos causados, principalmente quando não há o cuidado de verificar a veracidade das informações”, afirma a Defensora Ana Rita Souza Prata na ação.
Ela ressalta que a reportagem em nenhum momento mencionou a situação de violência doméstica vivida por Maria. “Essa deturpação da realidade, além de totalmente descabida e de alimentar o preconceito em razão do gênero, claramente ultrapassa a mera intenção de noticiar os fatos aos telespectadores, ultrapassando os limites da liberdade de expressão”, afirmou a Defensora.
A Defensoria aponta ainda que, em caso de conflito entre os direitos fundamentais à informação e à vida privada, é preciso ponderar a possibilidade de conciliação entre ambos. “A reportagem não se refere a exercício de cargo público; a divulgação da imagem da usuária não proporciona atendimento à administração ou serviço da justiça ou da polícia, haja vista que a usuária não está sendo procurada pela polícia; além de tudo, os fatos narrados na reportagem não relatam o verdadeiro contexto em que aconteceram. (...) Nesse sentido, prevalece, portanto, a necessidade de se afastar a prevalência da liberdade de informação.”
A decisão judicial reconhece que a imagem da mulher foi utilizada sem seu consentimento, expondo-a ao ridículo e propagando em programa televisivo a violência de gênero sofrida por ela em âmbito doméstico. “Note-se que, do início ao fim, há uma zombaria geral com a autora, não havendo a menor possibilidade se interpretar como matéria jornalística e sim sensacionalista e, mais, desprovida de qualquer aferição e cuidado que certa a ética jornalística”, aponta a sentença.