Seminário Internacional discute enfrentamento da tortura no Brasil

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”

Publicado em 30 de Março de 2012 às 15:30 | Atualizado em 30 de Março de 2012 às 15:30

 

A atuação da Defensoria Pública de SP em casos de tortura e a responsabilidade do Estado no cumprimento de suas obrigações internacionais na área de direitos humanos. Essa foi a tônica do seminário internacional “Capacitação da Defensoria Pública para o enfrentamento da tortura”, que aconteceu nos dias 29 e 30 de março, no auditório da instituição, no centro da Capital.

Para o Defensor Carlos Weis, um dos organizadores, o evento foi bastante produtivo. “O seminário sinalizou que a defesa integral dos direitos dos assistidos passa pela proteção contra toda forma de tortura e a Defensoria Pública tem papel central no enfrentamento dessa questão. Do seminário, ficou o compromisso dos defensores em enfrentar a tortura nos casos em que ela aparecer. E como proposta, vamos catalogar as situações de torturas e formar uma banco de dados para identificar os casos que poderemos levar para os órgãos internacionais de direitos humanos”.

O seminário foi promovido pelo Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da instituição e pela Escola da Defensoria Pública (Edepe). Veja aqui a programação completa do evento.

Leia mais sobre o seminário

Alex Wilkis, da International Bar Association (Reino Unido), apresentou a publicação “Protegendo os Brasileiros contra a Tortura: Um Manual para Juízes, Promotores, Defensores Públicos e Advogados” – escrito por Conor Foley (clique aqui para acessar a íntegra em formato digital). O manual de 252 páginas foi produzido em parceria com diversas instituições do sistema de Justiça brasileiro, com o objetivo de aprimorar a capacidade dos profissionais jurídicos em garantir o tratamento adequado de presos e, especificamente, protegê-los de torturas. Em São Paulo, a Escola da Defensoria Pública de SP irá promover a distribuição de 5 mil exemplares do manual. 

Aos presentes, Wilkis relatou que ao promover um ciclo de palestras de combate à tortura a Juízes, Promotores, Defensores e Advogados no Brasil, ficou surpreso com a baixa quantidade de profissionais com formação em direitos humanos. Wilkis apontou, ainda, de que forma cada operador pode atuar, de acordo com a sua formação, para o combate à tortura: todos devem respeitar a presunção de inocência na prisão provisória; Promotores devem levar em até o fim as investigações que envolvam tortura; Defensores Públicos devem utilizar todos os instrumentos nacionais e internacionais nos casos em que forem identificadas essa situação; e aos Juízes cabe a aplicação de todas as normas internas e tratados internacionais em suas decisões a fim de punir e prevenir a prática da tortura.

Conor Foley, autor do manual e professor da Universidade de Essex (Reino Unido), falou sobre o tema do sistema internacional de proteção contra a tortura. O professor ainda ressaltou o papel fundamental dos operadores jurídicos no enfrentamento da questão, e disse que, com o manual, esses operadores jurídicos passam a ter um instrumento de trabalho para os auxiliar nessa função de combate a todas as formas de tortura e outras violações dos direitos humanos.

Anna Batalla, do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, falou sobre a responsabilidade do Estado no cumprimento de suas obrigações internacionais. Para ela, quando o Estado não previne atos particulares de tortura – como violência doméstica ou mutilações – falha na sua missão de combater essa prática. Como medidas práticas para impedir atos de tortura, Anna sugeriu que seja criado um delito específico e amplo com a denominação de “tortura”, com penas tão graves que correspondam à gravidade do delito; a investigação rápida, imparcial e efetiva das denúncias da prática de tortura, sem dilações indevidas e com proteção e reparação (social, psicológica, médica) adequadas às vítimas; educação sobre a proibição da tortura, entre outras formas.

Anna também ressaltou a importância de se levar os casos de tortura aos comitês internacionais que o Brasil integra, por ser signatário dos acordos que os institui.

Mario Coriolano, do Subcomitê para a Prevenção da Tortura da ONU, expôs aos Defensores Públicos e demais presentes seu painel sobre o acesso ao sistema internacional de Direitos Humanos em caso de tortura.

Na área da infância e Juventude, o Promotor de Justiça Wilson Tafner mostrou imagens de inspeção que realizou nas antigas unidades da Febem, entre os anos de 1999 e 2005, quando investigou diversos atos de tortura praticados por agentes de inspeção. De acordo com ele, desde 2006, com a criação da Defensoria Pública, houve evolução na apuração das práticas de violação dos direitos humanos dentro das unidades de internação. Segundo ele, os Defensores são protagonistas nesse papel e possuem legitimidade concorrente à do Ministério Público nessa função.

O seminário também contou com a participação de Defensores coordenadores dos Núcleos Especializados da Defensoria, que relataram algumas experiências profissionais – Daniela Skromov e Carlos Weis (Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos), Patrick Cacicedo (Núcleo de Situação Carcerária) e Leila Rocha Sponton (Núcleo de Infância e Juventude).

Daniela Skromov abordou a questão da violência policial, em regra sofrida pela parcela pobre da população, e criticou a operação realizada no início do ano, na região conhecida como Cracolândia, na Capital. Carlos Weis, também coordenador desse Núcleo, falou sobre o papel de Defensores para o enfrentamento da tortura, como um modo de garantia de acesso à Justiça pelo cidadão.

Patrick Cacicedo, do Núcleo de Situação Carcerária, defendeu a necessidade de uma presença permanente de Defensores Públicos em presídios, como meio de apurar casos de tortura físicas. Para ele, é possível comparar à tortura psicológica as condições degradantes de estabelecimentos prisionais. Por fim, Patrick relatou  episódios recentes divulgados pela imprensa, em que detentas gestantes eram algemadas enquanto estavam internadas em hospitais durante ou logo após os procedimentos de partos. Segundo ele, a atuação do Núcleo, em parceria com a Pastoral Carcerária, contribuiu para a edição de um decreto do Poder Executivo vedando expressamente a utilização de algemas nessas situações.

Leila Sponton, coordenadora auxiliar do Núcleo da Infância e Juventude, narrou o quadro de acompanhamento de execução de medidas de internação de adolescentes infratores. Ela lembrou ser atribuição da Defensoria também resguardar os direitos à integridade física e psicológica de jovens em situação de acolhimento.