Leia a íntegra do discurso de homenagem do Ministro Marco Aurélio, do STF, aos Defensores Públicos aprovados no I Concurso de Ingresso na Carreira

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”

Publicado em 21 de Junho de 2010 às 16:30 | Atualizado em 21 de Junho de 2010 às 16:30

Na solenidade de posse da nova Defensora Pública Geral, Daniela Sollberger Cembranelli, e dos Defensores eleitos para o Conselho Superior da Defensoria Pública de São Paulo, ocorrida na última sexta-feira (18/6), o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello fez um discurso em homenagem aos Defensores Públicos aprovados no I Concurso de Ingresso na Carreira, ocorrido em 2007, e recém confirmados após estágio probatório.

Na ocasião, Daniela Cembranelli e Marco Aurélio descerraram uma placa comemorativa.

Leia abaixo a íntegra do discurso de homenagem do ministro.

“Mensagem do Ministro Marco Aurélio Mendes de Faria Mello por ocasião da posse dos novos Defensores Públicos do Estado de São Paulo.

No último domingo, 13 de junho, completei 20 anos de Judicatura no Supremo. A experiência, grandiosa em todos os aspectos, mostra-se também reveladora no que permite constatar a evolução brasileira no tempo e no espaço, considerados aspectos jurídicos, econômicos, sociais e políticos. Ao apreciar e julgar causas originadas nos mais distantes pontos do País, relativas a diversos temas, deparei com realidades cuja existência contraria o mínimo de racionalidade; percebi a diversidade do povo, em costumes e crenças, de grandeza suficiente a indicar a formação nacional a partir de várias etnias; verifiquei até que ponto pode chegar o descaso com a vida humana, mediante comportamentos que denotam apenas o interesse no lucro fácil, desconsiderada qualquer preocupação com o bem-estar do semelhante. Ouvi a defesa de teses que fazem corar os mais céticos...

Ante a maturidade, não mais imagino ser possível livrar o mundo da ocorrência de atrocidades, convencido de que, enquanto houver homens, haverá erros. O livre arbítrio inclui a possibilidade de opção por atos e omissões em prejuízo dos demais. O passar do tempo levou-me a perceber, também, que jamais se calarão as vozes em defesa dos necessitados. Por mais tumultuada que possa ser a quadra vivida, presentes estarão aqueles que não se deixam contaminar pela futilidade, ganância e vaidade, permanecendo fiéis aos ideais de Justiça. Para cada grito de dor será ouvido, ainda mais alto, o clamor dos abnegados intercessores dos menos afortunados.

Chegar aos mais de trinta anos de magistratura permitiu-me constatar de perto as mudanças implementadas em nossa sociedade. Ao longo dessa jornada, noto, tanto na produção legislativa, quanto na atuação jurisdicional, a transformação havida. Comportamentos até então tolerados foram banidos! Os reclamos das minorias foram acolhidos e passaram a ser protegidos a nível constitucional, de tal solte a conferir efetivo impedimento a que se legisle, julgue ou atue de forma preconceituosa, respeitando-se o indivíduo em sua integralidade. A todos assegurou-se ampla proteção, superadas questões de raça, sexo, idade e condição financeira.

Essas conquistas não teriam sido alcançadas sem a luta dos que viram na superação das necessidades alheias a própria razão de existir. E não seriam eficazes não fossem os virtuosos homens e mulheres que se dedicam inteiramente a promover, com destemida atuação profissional, a defesa dos que se encontram em situação de flagelo social.

A carência de meios econômicos dificulta o acesso à educação, ao emprego, à obtenção de dignas condições de moradia, terminando por minar a confiança do ser humano em si mesmo, reduzindo-lhe a auto-estima e confinando ao círculo vicioso da pobreza e da ignorância. O desconhecimento dos direitos a que tem jus, ou os meios de auferi-los, cega o homem, levando-o a caminhar cabisbaixo e inseguro, temeroso de tropeçar e cair.

Eis que se fez a luz com o surgimento da Defensoria Pública no Brasil. Ciente de que a mera previsão não garante a efetividade do direito, o legislador constitucional inseriu a Defensoria Pública, ao lado do Ministério Público, da advocacia pública e privada, no capítulo das funções essenciais à Justiça, estabelecendo os parâmetros distintivos do cargo e as atribuições que lhe são imanentes.

Ao Defensor Público, alfim aos senhores, incumbe a árdua missão de tornar real a proteção teórica prevista na lei. É a atuação do Defensor Público que efetivará as garantias concedidas pelo legislador aos necessitados, em todos os graus, perante o Poder Judiciário, perante a Administração Pública gênero, promovendo os direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos, agindo tanto na esfera coletiva quanto na individual, em prol, por exemplo, dos portadores de necessidades especiais e consumidores, fazendo-o na esfera cível, criminal, trabalhista, previdenciária, etc.

Inerentes ao cargo de Defensor Público são o desprendimento e o altruísmo. A vitória do Defensor Público está em dar voz aos necessitados, conduzindo-os à verdadeira cidadania. Está em servir e bem servir aos concidadãos. Neste País de dimensões continentais, inclusive quanto às diferenças socioeconômicas, não lhes faltará serviço, caríssimos Defensores. O aparelhamento necessário ainda não está inteiramente disponível, o que lhes exigirá ainda maior esforço e abnegação. É incompreensível a desigualdade entre a Defensoria Pública e o Ministério Público. Os integrantes dessas instituições ombreiam com armas díspares, considerada a estrutura física, a carência quanto a remuneração percebida. Digo-lhes que, se pudesse emprestar a uma ou a outra Instituição maior peso - e não posso - , o faria, presente a máxima segundo a qual é mais fácil atacar do que defender. A Defensoria, conta, há mais de vinte anos, com estatura constitucional e, mesmo assim, os Poderes da União e dos Estados ainda não lhe deram o tratamento cabível. Para ter-se ideia desse quase descaso - e o é quanto aos necessitados - , três Estados - Paraná, Santa Catarina e Goiás - ,em omissão constitucional, não a implementaram.

Termino desejando-lhes que jamais esqueçam os ideais que os fizeram abraçar a carreira no primeiro concurso público específico neste Estado. O progresso da Nação somente será obtido quando todos puderem conduzir-se em igualdade de condições, quando as oportunidades estiverem ao alcance dos cidadãos. Cabe-lhes o grato encargo de transformar, para milhares de brasileiros, esse sonho em realidade.

Parabéns,sejam felizes!

Muito obrigado.”