Devido Processo Legal

Após habeas corpus proposto pela Defensoria Pública, TJSP anula condenação relâmpago realizada em audiência de custódia

Decisão reconhece nulidade de condenação por furto após audiência de custódia, em desrespeito ao devido processo legal e à ampla defesa.

Publicado em 10 de Junho de 2025 às 12:38 | Atualizado em 10 de Junho de 2025 às 12:38

Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)

Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)

A Defensoria Pública de SP obteve uma decisão do Tribunal de Justiça de SP (TJSP), em sede de habeas corpus, que anulou o processo em que o acusado, primário e em situação de rua, foi condenado pelo crime de furto em tempo recorde, na mesma data em que foi realizada a audiência de custódia. A decisão determina a reabertura do prazo para resposta à acusação e a realização de nova audiência de instrução, debates e julgamento, com observância das garantias do contraditório, ampla defesa e respeito aos prazos processuais. 

O caso chamou a atenção pela velocidade incomum do trâmite: acusado de furtar cabos de cobre de um prédio público, foi preso em flagrante em um dia, e apresentado ao juiz, em audiência de custódia, no dia seguinte. Nesta ocasião, o juiz homologou o flagrante, concedeu liberdade provisória e, imediatamente, recebeu a denúncia, citou o acusado, realizou a audiência de instrução e proferiu sentença condenatória à pena de um ano de reclusão, substituída por prestação de serviços à comunidade. A defesa, realizada por advogada dativa, renunciou ao prazo recursal, e o trânsito em julgado da sentença ocorreu cerca de 24 horas após a prisão. 

Ao tomar conhecimento do caso, a defensora pública Aline Angela Bruschi impetrou o habeas corpus apontando o constrangimento ilegal a que este acusado foi submetido, destacando a hipervelocidade processual e a desnaturação da audiência de custódia, que foi convertida em instrução e julgamento, sem ter havido apresentação de resposta à acusação e sem tempo hábil para preparação da defesa. Segundo a defensora, a atuação da defesa técnica foi insuficiente, limitando-se a requerer pena mínima e regime mais brando, sem apresentar teses defensivas ou desenvolver atividade probatória. 

“O que ocorreu no caso dos autos foi um mero preenchimento da formalidade legal, tendo o papel da defesa técnica sido desempenhado de forma completamente insuficiente. Não se opôs à violação de rito procedimental. Sequer apresentou resposta à acusação, e a única manifestação foi extremamente genérica e curta, deixando de lado, inclusive, teses absolutórias relevantes, como a atipicidade da conduta do acusado. Na realidade, o ocorrido equivale a uma ausência de defesa”, pontuou a defensora. 

A audiência de custódia, prevista na legislação brasileira e em tratados internacionais de direitos humanos, tem como finalidade exclusiva permitir que o juiz avalie, de forma imediata, a legalidade e a necessidade da prisão em flagrante, bem como apure eventuais excessos ou maus-tratos sofridos pelo preso. Trata-se de um mecanismo de controle da privação de liberdade, que visa garantir direitos fundamentais e evitar prisões ilegais ou arbitrárias. Não se destina, portanto, à realização de atos de instrução, recebimento de denúncia, citação do acusado ou julgamento do mérito da acusação, etapas que devem respeitar o devido processo legal e os prazos previstos em lei. 

No julgamento do habeas corpus, a 13ª Câmara de Direito Criminal do TJSP, em votação unânime, reconheceu que houve afronta ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, além de ausência de defesa técnica efetiva, o que configura nulidade absoluta, conforme a Súmula 523 do Supremo Tribunal Federal.  

O relator do processo, desembargador Ronaldo Sérgio Moreira da Silva, destacou que a audiência de custódia não se presta à realização de atos de instrução e julgamento, e que a concentração de todos os atos processuais em um único momento, sem observância dos prazos legais, causou prejuízo presumido ao acusado.  

Com a decisão, todos os atos processuais realizados a partir da citação do réu foram anulados, devendo o processo retornar à fase de apresentação de resposta à acusação, garantindo-se o pleno exercício do direito de defesa. 

O caso contou também com atuação do Núcleo de Segunda Instância e Tribunais Superiores da Defensoria Pública.