Liminar obtida pela Defensoria garante matrícula na USP a estudante negra, após demonstração de indícios de fraude em vaga de cotas

“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.

Publicado em 12 de Março de 2020 às 12:00 | Atualizado em 12 de Março de 2020 às 12:00

Uma liminar obtida pela Defensoria Pública nesta quarta (11) garantiu a uma estudante de 21 anos sua matrícula no curso de Fisioterapia da Universidade de São Paulo (USP), depois de apresentação de um caso com indícios de fraude à política de cotas para alunos pretos, pardos e indígenas. A aluna estava classificada em primeiro lugar na lista de espera da categoria de cotistas.
 
O pedido foi baseado no argumento de que, sendo ela a primeira da lista de espera, a estudante sofria prejuízo individual e concreto pelo fato de haver indícios de que outra aluna aprovada não fazia jus à inscrição no vestibular pelo sistema de cotas.
 
Na ação, a Defensora Isadora Brandão Araújo e o Defensor Vinicius Conceição Silva – do Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria – pediram ao Judiciário a matrícula provisória da estudante, até a conclusão de procedimento para verificar e julgar os indícios de fraude da outra aluna matriculada. “A ocupação, por um candidato socialmente lido como branco, de vaga reservada a negros (pretos e pardos) e indígenas evidentemente esvazia o efeito multiplicador que se busca com a política de cotas”, argumentaram.
 
Para a equipe de Defensores responsáveis, esse caso exemplifica mais uma vez a necessidade de que a política de cotas da USP seja aprimorada com mecanismos institucionais de prevenção e combate a fraudes. Em outubro passado, em conjunto com a Defensoria Pública da União, foi feita uma recomendação à Universidade nesse sentido.
 
O documento recomenda que a USP preveja uma etapa específica para aferição da autodeclaração étnico-racial de candidatos inscritos a vagas reservadas a pretos, pardos e indígenas no concurso vestibular, a ser conduzida por uma comissão mediante entrevista pessoal e análise dos caracteres fenotípicos dos candidatos. A recomendação também sugere que a universidade estabeleça instâncias internas para apuração de denúncias de fraudes ao sistema de cotas em relação a estudantes já matriculados, deixando de exigir para a apuração que alguém registre boletim de ocorrência e assegurando a possibilidade de denúncia anônima.
 
A USP atualmente só realiza a verificação de casos de fraudes quando é registrada denúncia formal por meio de boletim de ocorrência junto à Polícia Civil. Estudantes argumentam que tal postura atribui a eles a responsabilidade pela fiscalização e coibição das fraudes, resultando em uma exposição desnecessária.
 
Em sua decisão liminar, o Juiz Otavio Tokuda, da 10ª Vara da Fazenda Pública da Capital, apontou que “a autodeclaração não pode exonerar o Poder Público de verificar a veracidade do quanto foi afirmado. Não se pode esperar que a autodeclaração crie um vácuo no sistema jurídico a imunizar o declarante de qualquer análise por outro sujeito, seja a Administração Pública ou até mesmo outros candidatos”.
 
Ele determinou que a USP instaure um processo administrativo, no âmbito da universidade, garantido o direito ao contraditório e à ampla defesa, para que se verifique, em entrevista pessoal, se a aluna cuja matrícula contém indícios de fraude à política de cotas e que foi incluída como ré na ação, “possui fenotipia negra e, por conseguinte, faz jus ou não à política de ação afirmativa, registrando sua conclusão por meio de parecer circunstanciado, que deverá ser encerrado no prazo máximo de 90 dias”.
 
Até o término desse processo administrativo, as matrículas de ambas as alunas serão provisórias – a matrícula definitiva dependerá do resultado final desse processo.