Após habeas corpus impetrado pela Defensoria, STJ reitera que réu não pode ficar preso por não ter condições de pagar fiança
“Esta atuação faz parte do compromisso da Defensoria Pública de São Paulo enquanto instituição autônoma e comprometida com os valores do acesso à Justiça e dos Direitos Humanos”.
O STJ determinou a soltura de um homem que era mantido preso por não ter condições financeiras de pagar uma fiança, fixada em R$ 500.
Detido em Franco da Rocha, o homem não tinha registro criminal anterior e foi preso sob a acusação de tentativa de furto em uma loja de roupas. Em audiência de custódia, foi concedida liberdade provisória com a condição do pagamento da fiança. Como não dispunha do valor estipulado, foi mantido em prisão provisória, tendo o Juízo de primeira instância indeferido os pedidos formulados pela Defensoria Pública no sentido do afastamento da fiança, ou, ao menos, da concessão de prazo para o recolhimento em liberdade.
Diante disso o Defensor Público Felipe de Castro Busnello, que atua em Franco da Rocha, impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP), que também indeferiu o pedido, motivo pelo qual o Defensor levou o caso ao STJ. De acordo com Felipe Busnello, a decisão da Corte estadual “representava evidente constrangimento ilegal e viola frontalmente a Lei e o entendimento jurisprudencial consolidado do Superior Tribunal de Justiça”.
Falta de razoabilidade
O Defensor argumentou que a manutenção da custódia configurava falta de razoabilidade, uma vez que, por ser primário, o réu fará jus a uma série de benefícios caso processado e condenado ao final, em especial à fixação de regime inicial aberto e à substituição da pena corporal por restritivas de direitos, já que preenchidos os requisitos para tanto. “Portanto, se ao final, com decisão condenatória transitada em julgado, permanecerá o Paciente em liberdade, como custodiá-lo provisoriamente? Tal providência, por óbvio, não se mostraria razoável”, afirmou.
Felipe Busnello acrescentou ainda que os Tribunais Superiores têm entendido que a prisão provisória não pode resultar mais gravosa que a sanção que possa eventualmente vir a ser fixada em caso de condenação. Além disso, a jurisprudência daquela corte reiteradamente aplica o art. 350 do Código de Processo Penal, que prevê a imposição de outras medidas cautelares, de modo que a impossibilidade financeira de pagamento de fiança não implique um encarceramento.
Em sua decisão, o Ministro relator Sebastião Reis Júnior, deferiu o pedido de liminar, concedendo a liberdade provisória ao paciente sem pagamento de fiança. O Ministério Público Federal emitiu parecer pela concessão da ordem, de ofício, ratificando-se a liminar deferida.
“Não me parece ser razoável manter o paciente custodiado apenas em razão do não pagamento da fiança, especialmente quando se alega a impossibilidade de fazê-lo. Além disso, o tempo decorrido de prisão concretamente demonstra a sua incapacidade financeira para o referido pagamento, não podendo tal circunstância se constituir obstáculo à sua liberdade”, considerou o Magistrado. “Sob essa moldura, deve-se reconhecer a ilegalidade, haja vista a impossibilidade de manter alguém preso em razão da incapacidade de pagar a fiança.”
Saiba mais
Casos assim não são raros. É comum que a Defensoria Pública recorra até a Tribunais Superiores em Brasília para obter liberdade para pessoas pobres sem condições de arcar com o custo de fianças, ainda que a lei já determine isso.
Por isso, a Defensoria Pública de SP tem reiterado seu pedido para a criação de uma Súmula do STJ que vede a manutenção de prisão quando a pessoa estiver presa apenas porque é pobre e não consegue pagar o valor da fiança.
Entre outros exemplos, um homem suspeito de furtar 4 desodorantes ficou 4 meses atrás das grades por ter deixado de pagar um salário mínimo (hoje em R$ 998). A fiança em primeiro grau foi fixada em outubro de 2016, mas o rapaz obteve habeas corpus apenas no mês de fevereiro seguinte, com liminar no STJ, após atuação da Defensoria.
Outro homem enquadrado por furto simples e porte de drogas poderia deixar a prisão se pagasse R$ 468,50. Sem dinheiro, aguardou dois meses encarcerado até decisão favorável do ministro Jorge Mussi, também após a Defensoria paulista recorrer ao STJ. Em um caso diverso, um homem preso por embriaguez ao volante (artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro) foi mantido preso por não ter condições financeiras de pagar uma fiança, fixada em R$ 2 mil, sendo libertado apenas quando o caso chegou ao TJ-SP.
O Supremo Tribunal Federal (STF) também já reconheceu a impossibilidade de um acusado permanecer preso por não ter condições de arcar com a fiança. Em uma das decisões, o Ministro Marco Aurélio, disse que a situação seria equiparada a prisões de natureza cível. “A ordem jurídico-constitucional e a instrumentalidade própria apenas contemplam a prisão por dívida em caso de descumprimento inescusável de obrigação alimentícia. Deve-se observar o disposto no artigo 350 do Código de Processo Penal, a revelar o implemento da liberdade provisória quando, arbitrada fiança, o Juízo perceber que a situação econômica do preso não lhe permite a satisfação”, apontou o Ministro.